sábado, 19 de dezembro de 2009

A segundos de ti

[para ti, que me acalmas a dor por pareceres tão perto quando te escrevo]

O rosto terno, as palavras breves,
A doçura daquele Natal.
O teu último.

E nós tão felizes,
tão ridículos,
nós sem saber,
[porque ninguém sabe],
[porque ainda ninguém pode saber],
que aquele seria o último,
o teu último.

E tu com o cabelo por pintar a pedir-me que não tirasse fotografias,
E eu sorria,
Num flash que era ao mesmo tempo toda a luz e todo o amor que sentia por ti.
Num flash que hoje me devolve o medo,
A solidão.
A certeza de que somos tão incertos, tão voláteis.
A certeza de que nunca saberei quando será o último.
O meu último.

Isa Mestre

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Perdut

[ a todos os que perderam o que jamais se pode encontrar]

É isto o que existe entre mim e a morte.
Essencialmente nada.
Uma sombra. Uma solidão triste e vadia, às vezes feroz.

Gosto de acreditar que me vês.
Nesta solidão. Triste. Vadia. Às vezes feroz.
Nesta solidão que é o medo, que é a fome,
que é a luta de todos aqueles que não sabem por que lutar.

Gosto de acreditar que um dia todos saberemos por que lutar.

Existirás entre mim e a morte?
Entre mim e as coisas que amo?
Entre mim e o medo?
Ou simplesmente entre mim e o frio desta madrugada escura em que me pergunto:
Porque não estás?
Enquanto os punhos se cerram de raiva por uma perda que, por momentos, deixa de ser só minha para ser tua também. Do mundo inteiro.

Isa Mestre

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Fugidios

Os dedos fogem-me do teclado,
Chamam-me ridícula,
Atrapalham-se trôpegos na tarefa de chegar a ti.

Os dedos outrora inertes,
Agora vivos, agora meus,
Nossos.
De toda a gente.

Os dedos que não escrevem,
Mas é como se escrevessem.
Os dedos que não amam,
Mas são sempre tão naturais como quem ama.

Os dedos gastos de mentiras e cinismos profundos,
Os dedos fartos de sorrisos de plástico e corações de esferovite,
Os dedos a dizer,
- Gosto de ti.

Estes mesmos dedos que quiseram ligar-te agora mesmo para dizer:
- Tenho saudades tuas.
(Os dedos ridículos da segunda frase).

Isa Mestre

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pragmática do Silêncio

[Para ti, porque és tu que existes nos meus vazios. tantas e tantas vezes]

Para escrever-te não preciso de quase nada.
Basta-me entender que és essencialmente o vazio.
Entender que, tal como as casas,
Também nós nos vamos construindo.

E os tijolos pesados, tantas vezes.

Os tijolos a ferir-nos as mãos,
Os tijolos a cair nos pés como grilhetas,
Os tijolos como palavras atiradas para o meio do caminho,

Os tijolos. Pesados.
Como as palavras.
Tantas vezes dispensáveis, tantas vezes inúteis.
Como quando apareceste.
As palavras a fugir-me por entre os dedos das mãos,
A deambular na inocência de um olhar que se perde, que se perde sempre.

E da vida, ficam apenas os vazios.
Os espaços onde nenhuma palavra consegue entrar.
Os espaço onde nenhuma palavra poderia entrar.

- Mesmo que quisesse?
- Mesmo que quisesse.

Isa Mestre

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ad eternum

Queria que este poema fosse para ti.
Mesmo que não o ouvisses,
Mesmo que não pudesses lê-lo,
Mesmo que a escuridão e o medo te fizessem esquecer quem sou.
Queria que este poema fosse para ti.
Mesmo que as palavras estivessem gastas e que os gestos se cansassem de sorrir,
Mesmo que fizesse frio e a solidão te gelasse os sentidos.
Queria que este poema fosse para ti.
Mesmo que eu já não estivesse.
Mesmo que te escrevesse de qualquer outro lugar. Mesmo que te sorrisse. Mesmo que te amasse sem nunca te poder amar.

Isa Mestre

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Arrivederci

O silêncio tem destas coisas,
Lembra-nos a morte.

Olhamo-nos ainda sem saber que podemos dizer,
Sem saber ao certo que palavras escaparam à censura do coração.

Dizes-me,
- Vou ter saudades tuas.
Sorrio-te.

Abraçamo-nos.

Nunca nos abraçáramos antes.

Queria dizer-te que me fará falta a tua voz,
A tua teimosia,
A tua ternura e o teu altruísmo.

Não digo nada.
Perco-me na multidão,
Esbato-me nos rostos dos passageiros apressados,
Nos sorrisos a disfarçar lágrimas profundas,
Nos acenos de mão que quiseram tantas vezes ser abraços.

Esbato-me na multidão e esqueço-me que existes,
Que existimos,
Que podemos ainda vir a existir.

Isa Mestre

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Marcas

Ensinaste-me aquilo que mais amo na vida.
Devo-te isso.
Devo-te a primeira palavra a beijar suavemente o papel,
O primeiro verbo a fazer cócegas na barriga da vida,
O primeiro sorriso e o primeiro verbo em que pude ser eu.
Devo-te todas as coisas que me chegaram ao coração sem destino nem destinatário.
Devo-te um sorriso. Um dia repleto de sorrisos.

Isa Mestre

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Engano d´alma

Não sei falar de amor,
Disse-te no dia em que te conheci.

Entendo hoje que era tarde demais para falar de amor,
Estava cansada e apetecia-me dormir.

Apetecia-me dormir até me esquecer de quem era,
Até poderes olhar-me e veres mais que as letras que escrevi,
Mais que os parágrafos repletos de mentiras que eu própria inventei,
Mais que as ilusões embrulhadas em adjectivos ridículos e verbos passados.

-Fala-me de ti,
Disseste-me.

Como posso falar-te de mim, tão ridícula e adulterada pelas palavras que escrevo?
Tão pouco minha para além dos parágrafos intermináveis que me consomem…

Desculpa,
Disse-te no fim.

O grande problema é que não te apaixonaste pelo que sou, mas pelo que finjo ser.
A palavra, a mais ridícula de todas, mas mesmo assim, a mais linda.

Amor.

Nunca poderei esquece-la.
Isa Mestre

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Escuridão

Olho-te,
E de repente,
É como se te escrevesse,
Como se te pintasse sem usar uma única cor,
Como se a caneta deslizasse sobre o papel e fosses todas as palavras que algum dia poderiam ser escritas.

Quando te olho,
Escrevo-te,
E quando te escrevo é impossível parar de te olhar.

Sei que estás aí,
sei que não escondes porque não te sabes esconder,
que não mentes porque não te sabes mentir,
que não sorris, porque nunca te soubeste sorrir.

Para sermos para os outros, precisamos de ser primeiro para nós.
Para me escreveres, tens de escrever-te por dentro,
Ouviste?

Tens de te olhar.
Tens de te olhar e acabar com a certeza de que nunca te conhecerás ao certo.
De que nunca saberás quem és e nunca poderás saber quem sou.

Somos textos escritos e apenas isso nos define,
Depois das palavras,
Apenas uma coisa existe:
A escuridão.

Tu sabes e eu sei.

Isa Mestre
 
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